sexta-feira, dezembro 23, 2005

"Cimento que é quase água barrado com doce de tomate selvagem" - Capítulo II

Após tirar a mão de dentro do triturador, Faustino repara que tinha mesmo as unhas numa miséria e resolve por lá também a mão esquerda, na esperança de polir as unhas da mão esquerda. Assim o faz. Dinorá ainda lhe pergunta: “Quer um pouquinho de verniz? Tenho cá um que faz parte de uma remessa de cosméticos que os meus pais roubaram, armados com edições da “Visão” e da “Focus”, há uns dias a uma loja de chineses.”. Faustino aceita. Dinorá, num esforço sobre-humano, tenta libertar a perna do cano do lava-loiça, enquanto que o periquito falante grita desesperadamente: “Acabou-se-me o sésamo islandês. Dinoráááááááááá, que é que eu faço agora?”. Dinorá responde ao seu periquito tão-somente isto: “Então eu estou com uma perna presa no lava-loiça, tenho um gago a pedir-me verniz para as unhas, sou vesga, e a única coisa com que te preocupas é com as tuas sementes de sésamo? Julgava-te mais racional!”, grita Dinorá. O periquito, resignado, lá esquece o sésamo e voa até à casa-de-banho. “Há mais de duas semanas que o desgraçado anda incontinente e eu não sei o que fazer”, diz Dinorá em jeito de desabafo para Faustino, referindo-se ao periquito. Faustino aconselha Dinorá a não dar tantos ácidos ao pássaro. Dinorá julga que este se refere a drogas e irrompe numa choradeira que é ouvida em Porto Côvo. Rui Veloso aparece, do nada, com a sua guitarra, a cantar “Havia um pessegueiro na ilha, plantado por um vizir de Odemira, que dizem…”. Faustino interrompe o cantor: “O… o… olha lá ó… ó… ó… Rrrrrrrrruuuuuuui, n… n… n… naa… não tttttttens m m m m m m mái nada pa’ f… f… f… fazer?”. Rui Veloso responde-lhe: “Disseste que se eu fosse audaz, tu tiravas o vestido, o prometido é devido”. Afinal Rui aparecera do meio de um incêndio. Mais audaz do que isto é impossível. Faustino reconhece o arrojo de Veloso e despe o vestido de lantejoulas que traz vestido. Dinorá, ao ver isto, chora, ao ver que estão ali dois homens e nenhum a ajuda.

[não esquecer que até aqui os dois protagonistas ainda não trocaram olhares, uma vez que o fumo proveniente do incêndio da estância de obras do casino impede que tal aconteça]

Rui Veloso vai embora e Faustino, vestido apenas com lingerie vermelha, corre em socorro de Dinorá. Ao chegar pela segunda vez junto de Dinorá, Faustino aproxima-se. A nossa protagonista, num acto de desespero, abana os braços freneticamente e, no momento em que nada o fazia prever, toca no peito de Faustino. Embora usasse um 38 – copa B, Faustino era peludo. Muito peludo. Dinorá perde-se na floresta púbica de Faustino. Ainda não foram trocados olhares, mas já há algum romance no ar.
Faustino diz, com bastante bruteza: “Q… q… q… q’é isso ó ó ó ó ó ó su su su su su sua de de de de de de deprava… va… va… vada?. O… o… o… o… me me me me meu peito na na na na não é pa pa pa pa todos”.
No meio deste diálogo, a senhora que não tem nome entra, de rompante, ninguém sabe donde, com dois cafés, dizendo: “Pois é, pois é… pois é… sai um café!”.
Na rua passeia-se um jovem imberbe e inconsciente de nome Manfredo, com um daqules tijolos que os MC’s do hip-hop usam para “mandar som”. Ao ver isso, Faustino pensa, devido ao seu estrabismo bastante acentuado, que o estúpido e obtuso Manfredo (sempre que os concidadãos de Hanniye se referem a Manfredo fazem-no com, pelo menos, duas ofensas verbais) traz consigo um lança-rockets daqueles que os amaricanos utilizam. Faustino grita de desespero que nem uma mulher de cinquenta anos que acabara de ver o Tony Carreira. Para mal dos pecados dos nossos heróis, o tijolo musical que Manfredo carrega em ombros é ligado e, a partir daí, instalam-se o pânico e o desespero. Afinal, toca “Bed of Roses” de Bon Jovi, e Manfredo põe o volume no máximo.

Não percam o próximo capítulo de "Cimento que é quase água barrado com doce de tomate selvagem", uma história que move corações (os responsáveis pela gestão de orgãos humanos nos hospitais estão malucos com esta coisa de “mover corações”) e tem o estúpido hábito de não revelar nada de interessante num episódio.